Não. Acredito que quando uma pessoa se torna um criminoso (não um bandido, olhe lá) isso decorre de uma combinação de fatores. Alguns desses fatores são por culpa da sociedade, outros não.
Em primeiro lugar, “bandido” é alguém que se une a um bando com o objetivo de cometer crimes. Nem todo criminoso é bandido.
Em segundo lugar, “criminoso” é alguém envolvido com um crime. O crime, como sabemos, é um conceito evoluído em sociedade. O fato de que certos atos são considerados crimes por todas ou quase todas as sociedades não muda o fato de que só são crimes por causa de uma convenção da sociedade. Só é possível cometer crimes se você vive em sociedade, se você vive em uma ilha deserta, nada do que você faça é crime. Da mesma forma, se você vive entre povos não civilizados. Um bom exemplo são os “maus tratos a crianças”.
Um indivíduo que enfiasse estacas de bambu através dos lábios e das bochechas de uma menina que acabou de menstruar seria considerado um monstro, um sádico e um criminoso de pior espécie. Seria linchado por uma turba ou submetido a sevícias na cadeia. Seria julgado e condenado a uma longa pena. Mas certas culturas indígenas fazem exatamente isto com suas crianças e não é crime algum. O que torna um civilizado criminoso ou um cidadão “de bem” é a civilização ter definido certos atos como crimes, e outros não.
Além disso, há circunstâncias que tornam socialmente aceitável cometer certos crimes. Até bem recentemente, no Brasil, era considerado normal que o marido de uma mulher adúltera a matasse. Era o conceito de “legítima defesa da honra”, herdado da legislação medieval portuguesa.
Crimes contra a mulher são notoriamente punidos de uma maneira branda no Brasil, como o caso do estuprador em série que já estava condenado a 26 anos de prisão por seus crimes e que, depois de ter recebido progressão de pena, tentou estuprar duas outras mulheres, uma das quais o denunciou, mas, ainda assim, mesmo condenado a mais uma pena pela tentativa não consumada, ainda continuou em regime aberto
A punibilidade varia grandemente conforme a cor da pele, a classe social, a afiliação política, a religião (ou falta de), o sexo e outros diversos fatores. Paulo Maluf, por exemplo, envolvido em escândalos de corrupção desde os anos 1970, segue solto, tendo apenas sofrido, recentemente, um breve encarceramento. Enquanto isso, você sabe de certos políticos de certo partido que, tão logo foram pilhados em esquemas de corrupção que pareciam amadores, foram condenados e se encontram encarcerados.
No Brasil, uma situação semelhante ainda pode se tornar pior do que meramente a prisão (e o trauma que envolve), porque praticamente qualquer coisa que você diga a uma “otoridade” e não seja um “sim sinhô” pode ser interpretada como um crime de “desacato à autoridade”. Isso quer dizer que, ao tentar evitar a sua prisão por motivo injusto você pode ser preso por efetivamente cometer um crime que decorre exclusivamente da injustiça anterior que se cometia contra você.
O que quero dizer com tudo isso é que não apenas existe uma convenção em relação ao que é crime, mas que, também, existe uma arbitrariedade em relação aos critérios de punição, que descende, em grande parte, da tese do “livre convencimento” do juiz, mas, também, dos preconceitos e relações de poder existentes na sociedade.
Portanto; embora certas pessoas realmente cometam crimes porque têm má índole e gostam de se aproveitar das “oportunidades” oferecidas pelo descuido, pela vulnerabilidade ou pela inocência alheia; um número imenso de pessoas são atiradas no mesmo balaio desses aproveitadores por culpa das injustiças da sociedade.
Exatamente por isso é primordial respeitar os direitos humanos de todos os acusados de crime, preservando-lhes a integridade física, a dignidade moral e o direito à ampla defesa e, caso violados, o direito à indenização por maus tratos sob a custódia do estado. Não se trata aqui de “defender bandido”, mas de reconhecer que, em uma sociedade injusta, é extremamente fácil que uma pessoa “de bem” como você vá parar detrás das grades pelos motivos mais aleatórios.
Tratar os suspeitos com respeito não prejudica em nada a apuração dos crimes. O que dificulta solucionar os crimes é a extrema alergia que a polícia e a justiça têm de botar a mão em quem tem dinheiro. Como o “João de Deus”, tarado safado e charlatão, que, em vez de investigado pelas denúncias que se acumulavam, recebia a visita de membros do Supremo Tribunal Federal. Como você acha que a polícia de Abadiânia, cidade que dependia economicamente da “atividade” de João de Deus, reagia a qualquer mulher que o denunciasse? Ainda mais considerando as amizades poderosas que ele tinha?
Embora eu não acredite que “bandido (sic) é vítima da sociedade”, a partir do momento em que uma pessoa é acusada de um crime, são tantas as violações de seus direitos básicos que ela se torna vítima, muitas vezes, de violências maiores do que as que cometeu. Às vezes por um celular se destrói uma vida, por vinte reais se quebra um osso, por uma colisão no trânsito se sofre um tiro que causa paraplegia. Isso quer dizer que nossa sociedade, ao agir assim, regride a um estágio civilizatório anterior ao da “lei de talião”, consagrada pelo Código de Hamurábi (1772 A.C.). Considerado um sistema bárbaro de justiça, a lei de talião determinava “olho por olho, dente por dente”. Nada ali diz que se deve tirar uma vida por causa de um bem de uso, que se deve arrancar um olho por causa uma briga de trânsito ou que se deve quebrar um dente por causa de uma suspeita.
O indivíduo que é “contra direitos humanos” é um bárbaro indigno da civilização em que vive.