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Política

PARA JURISTAS, CONDUÇÃO DE LULA FOI ILEGAL E ESPETACULARIZADA

Gilson Santos Jornalista Profissional 18229/MG

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A Polícia Federal deflagrou na manhã de hoje, 4, a 24ª fase da Operação Lava Jato, chamada de Aletheia. O principal alvo da investigação é o ex-presidente Lula. Além de mandados de busca em seus endereços, a Operação cumpriu mandado de condução coercitiva para que ele prestasse depoimento, durante três horas, no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, em meio a inúmeras câmeras, flashes e pessoas interessadas no caso. A medida foi autorizada pelo Juiz da Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro.

A condução coercitiva é uma medida prevista no Código de Processo Penal para que a autoridade policial leve uma pessoa para prestar depoimento, ainda que contra sua vontade. Ocorre que, neste caso específico, pelo não cumprimento aos requisitos da condução e consequente violação à lei, bem como pela espetacularização da medida, diversos especialistas em Direito Processual Penal e Constitucional criticaram a decisão.

O Professor de Processo Penal do Mackenzie e colunista do Justificando,Humberto Fabretti, utilizou suas redes sociais para criticar a decisão de Moro. Quando alguém é chamado a um procedimento investigatório de natureza criminal sem ser vítima ou auxiliar da justiça (perito, intérprete, etc) das duas uma: ou é como investigado, ou como testemunha. Se for como investigado, não pode ser obrigado a ir à delegacia, pois existe em nossa Constituição – até a próxima decisão do STF, pelo menos – um princípio que não nos obriga a produzir provas contra nós mesmos. Se for como testemunha, somente pode ser conduzido coercitivamente, se após intimação, não comparecer.

Fabretti utiliza dois artigos, um da Constituição Federal e outro do Código de Processo Penal, para endossar seu argumento:

Constituição Federal – art. 5, LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Código de Processo Penal: Art. 218. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública.

“O que me preocupa nessas operações todas é a tranquilidade com que se violam garantias constitucionais e o devido processo legal, tudo com a chancela do MP (Ministério Público) e Judiciário” – completou Fabretti.

O Juiz de Direito e colunista do Justificando, Rubens Casara, segue o entendimento de Fabretti sobre o caso. Para ele, além de desnecessária, a condução de Lula foi ilegal. “Há previsão legal de “condução coercitiva” de quem não deixa de atender uma intimação legítima para depor? Não há“, diz.

Segundo a decisão do Juiz Sérgio Moro, a condução coercitiva era necessária uma vez que para evitar possíveis tumultos como o ocorrido na última vez entre apoiadores e opositores em frente ao Fórum da Barra Funda – decisão na íntegra está disponível abaixo.

No entanto, o Cientista Político, Professor na UNICAMP e colunista do JustificandoFrederico de Almeida, rebate esse argumento. “É simplesmente ridícula a justificativa dada na coletiva (de imprensa, concedida pelos Procuradores da República, explicando as razões da condução) de que a condução coercitiva de Lula seria necessária para garantir a própria segurança do acusado e para evitar confrontos no clima de polarização política atual. Em primeiro lugar, Lula já prestou depoimento voluntariamente em outra oportunidade. Em segundo lugar, se a PF queria evitar manifestações e eventuais confrontos de partidários e opositores de Lula em um depoimento com data e hora marcada, bastava combinar com os advogados de defesa uma forma discreta disso acontecer. Por fim, os confrontos e manifestações aconteceram hoje do mesmo jeito, com gente presa e agredida”.

“O que os responsáveis queriam era espetáculo” – completou o cientista.

Na mesma linha, criticou o Professor e Procurador de Justiça aposentado no Rio de Janeiro Afrânio Silva Jardim “Entendo que a condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor na Polícia Federal, além de desnecessária, não tem amparo constitucional ou legal. Se o investigado ou indiciado tem o direito de ficar calado, não tem por que levá-lo fisicamente forçado à presença da autoridade policial”.

“Independentemente do conteúdo das investigações, que não conheço, julgo que, no mínimo, deveria haver maior respeito a quem já foi presidente de nosso país. Foi um constrangimento desnecessário e fragiliza a atividade de persecução penal até agora realizada. Isto só vai servir para politizar as investigações, o que não serve a ninguém” – complementou.

Confira na íntegra o despacho do juiz federal Sergio Mouro 

PETIÇÃO Nº 5007401-06.2016.4.04.7000/PR

REQUERENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

REQUERIDO: MARISA LETICIA LULA DA SILVA

REQUERIDO: LUIZ INACIO LULA DA SILVA

DESPACHO/DECISÃO

Autorizei buscas e apreensões pela decisão de 24/02 (evento 4) no processo 5006617-29.2016.4.04.7000  a pedido do MPF.

As buscas estão associadas ao ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

Pleiteia o MPF em separado a condução coercitiva do ex-Presidente e de sua esposa para prestarem depoimento à Polícia Federal na data das buscas.

Argumenta que a medida é necessária pois, em depoimentos anteriormente designados para sua oitiva, teria havido tumulto provocado por militantes políticos, como o ocorrido no dia 17/02/2016, no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo. No confronto entre polícia e manifestantes  contrários ou favoráreis ao ex-Presidente, “pessoas ficaram feridas”.

Receia que tumultos equivalentes se repitam, com o que a oitiva deles, na mesma data das buscas e apreensões, reduziriam, pela surpresa, as chances de ocorrência de eventos equivalentes.

Decido.

A condução coercitiva para tomada de depoimento é medida de cunho investigatório.

Medida da espécie não implica cerceamento real da liberdade de locomoção, visto que dirigida apenas a tomada de depoimento.

Mesmo ainda com a condução coercitiva, mantém-se o direito ao silêncio dos investigados.

Medida da espécie ainda encontra apoio na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como destacado pelo MPF:

“HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDUÇÃO DO INVESTIGADO À AUTORIDADE POLICIAL PARA ESCLARECIMENTOS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ART. 6º DO CPP. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADO DE FLAGRÂNCIA. DESNECESSIDADE DE INVOCAÇÃO DA TEORIA OU DOUTRINA DOS PODERES IMPLÍCITOS. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA POR DECISÃO JUDICIAL, APÓS A CONFISSÃO INFORMAL E O INTERROGATÓRIO DO INDICIADO. LEGITIMIDADE. OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO. USO DE ALGEMAS DEVIDAMENTE JUSTIFICADO. CONDENAÇÃO BASEADA EM PROVAS IDÔNEAS E SUFICIENTES. NULIDADE PROCESSUAIS NÃO VERIFICADAS. LEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ORDEM DENEGADA.

I – A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais.

II – O art. 6º do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito, todas dispostas nos incisos II a VI.

III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos.

IV – Desnecessidade de invocação da chamada teoria ou doutrina dos poderes implícitos, construída pela Suprema Corte norte-americana e incorporada ao nosso ordenamento jurídico, uma vez que há previsão expressa, na Constituição e no Código de Processo Penal, que dá poderes à polícia civil para investigar a prática de eventuais infrações penais, bem como para exercer as funções de polícia judiciária.

(…)”

(HC 107644, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma do STF – por maioria, j. 06/09/2011, DJe-200, de 18/10/2011).

Embora o ex-Presidente mereça todo o respeito, em virtude da dignidade do cargo que ocupou (sem prejuízo do respeito devido a qualquer pessoa), isso não significa que está imune à investigação, já que presentes justificativas para tanto, conforme exposto pelo MPF e conforme longamente fundamentado na decisão de 24/02/2016 (evento 4) no processo 5006617-29.2016.4.04.7000.

Por outro lado, nesse caso, apontado motivo circusntancial relevante para justificar a diligência, qual seja evitar possíveis tumultos como o havido recentemente perante o Fórum Criminal de Barra Funda, em São Paulo, quando houve confronto entre manifestantes políticos favoráveis e desfavoráreis ao ex-Presidente e que reclamou a intervenção da Polícia Militar.

Colhendo o depoimento mediante condução coercitiva, são menores as probabilidades de que algo semelhante ocorra, já que essas manifestações não aparentam ser totalmente espontâneas.

Com a medida, sem embargo do direito de manifestação política, previnem-se incidentes que podem envolver lesão a inocentes.

Por outro lado, cumpre esclarecer que a tomada do depoimento, mesmo sob condução coercitiva, não envolve qualquer juízo de antecipação de responsabilidade criminal, nem tem por objetivo cercear direitos do ex-Presidente ou colocá-lo em situação vexatória.

Prestar depoimento em investigação policial é algo a que qualquer pessoa, como investigado ou testemunha, está sujeita e serve unicamente para esclarecer fatos ou propiciar oportunidade para esclarecimento de fatos.

Com essas observações, usualmente desnecessárias, mas aqui relevantes, defiro parcialmente o requerido pelo MPF para a expedição de mandado de condução coercitiva para colheita do depoimento do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Evidentemente, a utilização do mandado só será necessária caso o ex-Presidente convidado a acompanhar a autoridade policial para prestar depoimento na data das buscas e apreensões, não aceite o convite.

Expeça-se quanto a ele mandado de condução coercitiva, consignando o número deste feito, a qualificação e o respectivo endereço extraído da representação.

Consigne-se no mandado que NÃO deve ser utilizada algema e NÃO deve, em hipótese alguma, ser filmado ou, tanto quanto possível, permitida a filmagem do deslocamento do ex-Presidente para a colheita do depoimento.

Na colheita do depoimento, deve ser, desnecessário dizer, garantido o direito ao silêncio e a presença do respectivo defensor.

O mandado SÓ DEVE SER UTILIZADO E CUMPRIDO, caso o ex-Presidente, convidado a acompanhar a autoridade policial para depoimento, recuse-se a fazê-lo.

Em relação ao pedido de condução coercitiva de Marisa Letícia Lula da Silva, indefiro. Em relação a ela, viável o posterior agendamento do depoimento com a autoridade policial, sem que isto implique maior risco à ordem pública ou a terceiros.

Ciência ao MPF e à autoridade policial.

Curitiba, 29 de fevereiro de 2016.

Documento eletrônico assinado por SÉRGIO FERNANDO MORO, Juiz Federal


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